Passada a fase de "morro-de-dó-de-mim-mesma" e a fase de "que-se-dane-o-mundo-vou-me-fechar-na-minha-concha" e "que-se-dane-o-cartão-de-crédito-vou-estourar-mesmo", entrei numa fase sem nome ainda.
Passou a revolta. Repensei todas as minhas decisões. Aceitei que as pessoas erram e que errar é humano e que, ainda que às vezes eu pense ser uma espécie de semideusa que tem total controle sobre minha vida, ainda sou humana e, portanto, tenho o direito de errar e de perder o controle vez ou outra. E penso também que tudo o que fiz faz parte de quem sou e que não dá para se condenar por escolhas que fizemos lá em mil novecentos e nada. Na época pareciam ser as melhores escolhas. E às vezes escolhemos por pura falta de escolha. Vai saber se eu conseguiria ter feito diferente.
É isso, sabe? Em conversa com uma colega de trabalho tão perfeccionista quanto esta que vos fala, proferi a seguinte frase: "Às vezes 'bom' é ótimo e 'excelente' é péssimo. Dar conta de tudo mais ou menos é melhor do que excelência nisso ou aquilo e deixar todo o resto a desejar".
E com a vida é assim também. Tudo o que fiz foi achando que seria o melhor possível. E talvez tenha sido. Não tenho títulos, não tenho reconhecimento, não tenho certificados, não tenho bens, mas tenho uma coisa que achava que todo mundo tinha e descobri que a maior parte das pessoas não tem: vida.
Vivo em qualidade, quantidade e intensidade.
Quantas pessoas de 32 anos podem dizer que já participaram de concurso de merengue no Chile completamente bêbados e com a roupa suja de lama? Quantas podem dizer que tocaram para mais de 300 pessoas uma música própria numa banda de garagem (com toda a galera cantando o refrão junto)? Quantas podem dizer que prestaram vestibular para sete carreiras diferentes, passaram em todas e sortearam para saber qual cursar, aí não gostaram do curso e, mesmo tendo passado na USP, desistiram depois de dois anos e foram prestar vestibular de novo? Quantas tiveram a manha de caronar mais de 3600km em uma só viagem? E viajar para ficar uma semana na Chapada dos Guimarães e acabar ficando o mês? Quantas tiveram bolsa de iniciação científica da Fapesp? E quantas sentaram numa mesa de bar para tomar uma cerveja com o Iron Maiden? Quantas se perderam no metrô em Paris sem saber falar francês? Quantas socaram um ladrão? Quantos corações partidos? Quantas partidas? Quantos casaram de branco, num espartilho que impedia a respiração? E quantos tomaram a decisão de separar? Quantos fizeram poesia? Quantos trabalharam em mil empregos com mil funções diferentes (de negociar vendas milionárias até lavar prato e passear cachorro, não necessariamente nesta ordem)?
E quantos fizeram tudo isso na mesma vida?
Não sou melhor do que ninguém, mas enquanto o povo estava tirando certificado, acumulando bens e se batendo por dinheiro reconhecimento, eu estava vivendo, fazendo coisas, me tornando uma pessoa mais interessante.
Agora vou correr atrás do prejuízo e tentar arrumar títulos e bens. Mas ó: eu fiz um montão de coisas. Não deixei para fazer na aposentadoria (porque acho que viver com o objetivo de se aposentar é muito podre). E vou continuar fazendo coisas, sabe? Aula de tango, enfim. Não tenho certificado de nenhuma das coisas que fiz, mas certamente tenho histórias para contar...