A velha dicotomia do tempo x dinheiro tem sido, pela primeira vez na vida, um empecilho muito pequeno para eu me arrepender de estar em férias permanentes (vulgo desempregada). Agora sim estou fazendo o que sei de melhor: ficar em férias.
Algumas pessoas entram em pânico à mera visão do "não ter o que fazer". Eu não me conformo com isso. Passam 360 dias no ano reclamando que estão atolados e, nos 5.25 que lhe restam, reclamando que "não têm o que fazer". O que esse povo quer, afinal de contas? Não dá para entender...
Quando eu digo que não vim a este mundo a trabalho, mas sim a turismo, as pessoas riem e não me levam a sério. Ora. Existem pessoas que não nasceram para estudar, mas fazem faculdade por mera imposição de classe. Existem pessoas que não nasceram para a música, mas estudam piano por mera imposição de status. E existem pessoas que, como eu, não nasceram para acumular capital, mas o fazem por mera imposição social. O que há de errado em acumular capital por três meses e folgar um? Não estou sendo condizente com o mito burguês?
Os burgueses uma vez inventaram o mito de que "o trabalho enobrece", simplesmente porque eles morriam de inveja dos nobres e da gentry, que não precisavam trabalhar e viviam de renda. Tão ridículo quanto acreditar em I-Ching ou que leite com manga faz mal é acreditar que o trabalho enobrece. Nada mais é que um mito burguês que fomos levados a comprar desde uma suposta Revolução Francesa, que pregava liberté, égalité et fraternité, mas só para poucos pois alguns sempre foram mais iguais que outros.
Eu quero que o enobrecimento e a igualdade vão para a merda. Estou folgando sim. E, se eu pudesse, eu ficaria assim para o resto da minha vida. Sem um pingo de culpa.
No meu quase um mês de férias, eu ousei.
-Eu ousei não acordar antes do meio-dia.
-Eu ousei voltar a praticar exercícios físicos no meio da tarde.
-Eu ousei fazer macarrão ao alho e óleo (com supervisão, logicamente).
-Eu ousei escrever cartas.
-Eu ousei assistir filmes.
-Eu ousei ler livros.
-Eu ousei andar de ônibus pelo simples prazer de ver a cidade.
-Eu ousei observar as pessoas na Av. Paulista.
-Eu ousei pintar uma tela (experimentando, inclusive, textura com óleo e acrílica - tudo na mesma tela) para presentear uma pessoa especial (e não para acumular pó na minha sala).
-Eu ousei VIVER que nem gente e sem nem precisar ligar a televisão.
Aos que me criticam por ousar sair da ordem (mesmo sem sair, porque já estou procurando emprego de novo, para agosto): morram de inveja. Sua ordem é caos. E é ilusória. Quando você vai aproveitar a vida? Depois da aposentadoria? Hmm... Más notícias. Aposentadoria é uma instituição que deve falir antes de chegarmos lá.
Eu sou mais igual que os outros porque posso ousar? Provavelmente.
Não estou dizendo que o trabalho é ruim. De modo algum. Algumas pessoas se realizam em seus empregos. E ter o seu no final do mês é sempre bom. Mas não pode ser bom se não for bem gasto. Vale um surto para comprar um CD da Ella Fitzgerald por $7,90 na Rua Direita. Vale uma viagem para Guarapari. Vale um bilhete único para ver o movimento da cidade num dia nada a ver. Vale botar gasolina no carro para atravessar a cidade para dar um beijo na namorada. Vale até a economia maluca para comprar o seu apartamento.
Mas não vale a úlcera, a pressão alta ou a depressão.
Esses empregadores vêm com discursozinho de "estou fazendo o favor de te empregar" e nós, trouxas, acreditamos nisso. Bullshit. Ninguém é insubstituível, mas ninguém é desprezível a este ponto. Eu ouso pedir demissão e escolher outro senhor a quem esta escrava há de servir. E não tenho um pingo de culpa. Até meu próximo senhor, um abraço pois estou de férias. Viva o fundo-férias. Viva guardar (pelo menos) 20% dos meus ganhos todo mês para poder recusar o enorme favor que fazem de me empregar.
Agora vou ler meu livro novo de $9,35 que chegou hoje e vou dormir quando eu quiser. Porque estou de férias até acabar meu fundo ou até outro senhor me fazer o enorme favor de me empregar.
De fato, o que adiantaria para a pessoa ficar até 10 da noite no trabalho, privando as pessoas que a amam de seu convívio, dormir poucas horas pois é preciso estar cedo no escritório, e levar trabalho pra casa nos fins de semana, em troca de um salário que, ainda que fosse polpudo, não pode ser gasto com as atividades mantenedoras de sua saúde física/mental/afetiva e seu nível cultural por serem tidas como desnecessárias?
ResponderExcluirMorben, vc conquistou uma fan para sempre!
ResponderExcluirTá, eu já gostava de vc de graça!
Mas agora tem minha admiração para sempre!
No mais, dar um foda-se para p trabalho que nos oprime em nome do bem estar é mais que um ato de coragem, mas de libertação!
Parabéns!
Quando crescer, quero ser que nem vc!
Um beijo querida! =***
Morwen, se isso virar um clube, é só me dizer onde eu assino!!!! O título de sócia já é meu mais novo objeto de desejo.
ResponderExcluirBjs maravilhosa.
Ahhh eu tb penso assim.
ResponderExcluirAliás... fazer nada de tarde é o que fazia de mais perfeito. Eu ODEIO trabalhar, ponto.
Tipo é a forma mais besta de gastar SEU tempo, sendo útil (ok, essa parte é questionável), a algo que não é nem um pouco útil a você, salvo claro pela merreca que vc ganha no final do mês, né?
Aaah, eu amo horas de lazer! Internet, música, quadrinhos, dvd's, videogame, livros! E tbm odeio trabalhar(no caso, estudar). Muitas vezes acho que minhas horas de lazer são mais producentes do que minhas horas de estudos!
ResponderExcluirBrava!!! Você escreveu coisas que há muito eu gostaria de escrever. Nem preciso dizer que concordo totalmente, preciso?
ResponderExcluirNo momento também não estou trabalhando - até gostaria, mas por vários motivos não estou. O pior é ver pais, parentes e amigos cobrando, ainda que indiretamente, porque não se está trabalhando. Parece que há um certo olhar de desaprovação para quem, depois de certa idade, não trabalha...
Só mesmo num cyber café pra conseguir postar um comentário no seu blogue... E, olha, nem tem o que dizer: vc tirou as palavras da minha boca!
ResponderExcluirBeijão!
Ricardo Miyake
P.S.: boa sorte na seleção pro mestrado!
Ain, eu tô com tanta saudade de vocês....
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