B. abriu os olhos às 5h47. A luz frágil que entrava pela veneziana a convidava a mudar de posição e deixar que o sangue circulasse pela sua perna direita quase adormecida. Era tarde demais. B. já estava desperta.
Com um salto só, B. se pôs de pé. O formigamento subiu por sua perna adormecida e B. caiu sentada no colchão. Por entre os dentes cerrados xingou alguns palavrões em seu pensamento e massageou a panturrilha e a sola do pé. Do lado de fora, os pássaros celebravam um novo dia, mas B., que nunca se importara com a cantoria, como todos os dias, permaneceu surda a mais esse ruído que se misturava aos primeiros carros e caminhões passando na avenida uma quadra para baixo.
B. sentia os olhos pesados e inchados. E se perguntava se não deveria voltar a dormir. Afinal, não tinha compromisso algum. Hoje B. completaria dez anos na empresa e receberia um troféu de acrílico com seu nome. Não fosse um contrato milionário que fez com que seu diretor se decidisse, pelo bem de todos, por uma fusão com uma gigante do setor. Aos vinte e um dias de desemprego, B. já havia engolido aquele discurso de seu ex-chefe (aquele gordo empacotado no seu terno um número menor, com a testa engordurada, sempre sorrindo seus dentes amarelos) junto com inúmeras doses de sua última garrafa de uísque caro.
Quando passou o formigamento, B. calçou seus chinelos de borracha e fez o caminho automático para o banheiro. Desviou com maestria do vestido cheirando a cigarro e a bebida que, na noite anterior havia sido dispensado à porta, como um amante abandonado. Sem acender a luz, ainda com os olhos fechados, esfregou a testa e o nariz. Reparou que sua pele estava ficando cada vez mais oleosa. Devia ser o Shiseido que comprara no Duty Free em sua última viagem de negócios, nem trinta dias atrás. Um desperdício saber que o destino do precioso cosmético seria cotovelos, joelhos e calcanhares dali em diante.
Sem perceber o movimento, B. acendeu a luz. Por uns instantes espremeu os olhos e franziu o nariz. Coçou as têmporas enquanto sua vista se acostumava à claridade. Seu cabelo encrespado havia se tornado um nó cego. B. começou a pentear os cabelos com os dedos na frente do espelho. Seus olhos ainda estavam pesados e B. reparou nos pés-de-galinha. Aquela luz fluorescente acentuava ainda mais os seus defeitos. Enquanto digladiava-se com o cabelo embaraçado, B. arregalou os olhos, para ver se melhorava a aparência de suas rugas e, para a sua surpresa, a imagem no espelho não se moveu. Intrigada, B. abriu a boca exageradamente, como se estivesse gritando em uma atuação teatral. Nada. B. inclinou a cabeça para o lado esquerdo e a imagem no espelho inclinou também. Ela quase se sentiu aliviada e quase sorriu. Mas seu reflexo não quase sorriu. Permaneceu indiferente. As rugas e os olhos inchados.
Tudo igual.
Com um salto só, B. se pôs de pé. O formigamento subiu por sua perna adormecida e B. caiu sentada no colchão. Por entre os dentes cerrados xingou alguns palavrões em seu pensamento e massageou a panturrilha e a sola do pé. Do lado de fora, os pássaros celebravam um novo dia, mas B., que nunca se importara com a cantoria, como todos os dias, permaneceu surda a mais esse ruído que se misturava aos primeiros carros e caminhões passando na avenida uma quadra para baixo.
B. sentia os olhos pesados e inchados. E se perguntava se não deveria voltar a dormir. Afinal, não tinha compromisso algum. Hoje B. completaria dez anos na empresa e receberia um troféu de acrílico com seu nome. Não fosse um contrato milionário que fez com que seu diretor se decidisse, pelo bem de todos, por uma fusão com uma gigante do setor. Aos vinte e um dias de desemprego, B. já havia engolido aquele discurso de seu ex-chefe (aquele gordo empacotado no seu terno um número menor, com a testa engordurada, sempre sorrindo seus dentes amarelos) junto com inúmeras doses de sua última garrafa de uísque caro.
Quando passou o formigamento, B. calçou seus chinelos de borracha e fez o caminho automático para o banheiro. Desviou com maestria do vestido cheirando a cigarro e a bebida que, na noite anterior havia sido dispensado à porta, como um amante abandonado. Sem acender a luz, ainda com os olhos fechados, esfregou a testa e o nariz. Reparou que sua pele estava ficando cada vez mais oleosa. Devia ser o Shiseido que comprara no Duty Free em sua última viagem de negócios, nem trinta dias atrás. Um desperdício saber que o destino do precioso cosmético seria cotovelos, joelhos e calcanhares dali em diante.
Sem perceber o movimento, B. acendeu a luz. Por uns instantes espremeu os olhos e franziu o nariz. Coçou as têmporas enquanto sua vista se acostumava à claridade. Seu cabelo encrespado havia se tornado um nó cego. B. começou a pentear os cabelos com os dedos na frente do espelho. Seus olhos ainda estavam pesados e B. reparou nos pés-de-galinha. Aquela luz fluorescente acentuava ainda mais os seus defeitos. Enquanto digladiava-se com o cabelo embaraçado, B. arregalou os olhos, para ver se melhorava a aparência de suas rugas e, para a sua surpresa, a imagem no espelho não se moveu. Intrigada, B. abriu a boca exageradamente, como se estivesse gritando em uma atuação teatral. Nada. B. inclinou a cabeça para o lado esquerdo e a imagem no espelho inclinou também. Ela quase se sentiu aliviada e quase sorriu. Mas seu reflexo não quase sorriu. Permaneceu indiferente. As rugas e os olhos inchados.
Tudo igual.
Uou!!! Então você é uma escritora. Gostei!
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