Há cerca de quinze anos, troquei correspondência com um rapaz de Minas Gerais.
Ficava esperando pelo carteiro, reconhecia a caligrafia de longe, abria o envelope, onde se lia "carta social", e desfrutava as palavras... Lia e relia diversas vezes. Via a pressão da caneta contra o papel e sabia se ele estava com raiva, se tinha escrito enquanto estava deitado na cama, ou na aula chata de matemática... E ficava dias carregando a carta na mochila, como um tesouro particular. As palavras flutuavam na mente enquanto elaborava uma resposta.
Alguns dias depois, me sentava na escrivaninha. Pegava a folha de papel e a caneta. E dialogava com aquelas já conhecidas linhas no papel amarrotado de tantos dias na mochila.
Anos se passaram e as cartas de R. continuavam vindo. As questões mudavam, se transformavam. O que começou quase como brincadeira virou um vínculo profundo e marcou minha passagem de adolescente para a vida adulta.
Prestamos vestibular na mesma época. Sem saber, R. me ajudou a encontrar meu caminho. Sofria muita pressão da família para cursar um curso tradicional. Direito ou Medicina. E R. sabia tão claramente o que queria... E não se dobrava a qualquer tipo de pressão. Sem sequer desconfiar, com R. aprendi que vale a pena trilharmos nosso próprio caminho, ainda que ele esteja cheio de pedras.
R. sempre foi uma pessoa muito questionadora e inteligente. E ter um amigo assim, o único amigo assim na época, me fez querer ser uma pessoa melhor, me fez querer estudar mais e saber mais sobre o mundo, e ter propriedade para falar sobre as coisas.
Depois veio o e-mail. E as cartas cessaram.
Não havia mais caligrafia, nem pressão da caneta sobre o papel. Não havia mais a espera pelo carteiro. Não havia mais o tempo de quase memorizar suas palavras para só então responder. A pressa, o cotidiano, a praticidade e tudo o que vem com ela atropelou a amizade de tantos anos.
E os e-mails também cessaram.
Hoje R. mora em minha cidade, em um bairro vizinho, mas se nos vimos uma vez foi muito (lembra? Naquele churrasco, em 2004 ou 2005). Nossas vidas se perderam no dia-a-dia.
R., meu amigo, meu irmão de alma, obrigada por tudo. Você foi muito importante e, apesar da distância ser maior hoje do que era quando escrevíamos cartas e você morava em Minas, seu lugar na minha vida está aqui, como sempre, reservado. Não se esqueça de tudo o que me ensinou. Não deixe de viver. Não deixe que as pedras do caminho sejam maiores do que a poesia. Eu gostaria de ter guardado as cartas, como sei que fez, mas o cotidiano também as levou, na falta de espaço e nas minhas duas mudanças de casa. Mas o conteúdo delas permanece vivo. Afinal, carreguei por dias na mochila cada uma delas, como um tesouro particular.
Foi louco ler a história e ficar pensando nesses “des”encontros que acontecem. Achei fabuloso o parágrafo posterior ao “Depois veio o e-mail. E as cartas cessaram... A sensação inevitável da perda, essa sequencia devidamente encadeada que você sente, mas nada consegue fazer, a não ser aceitar, justificar e lamentar. Outra vez... OBRIGADO
ResponderExcluirComo tudo na vida o que fica é a lembrança...doce e meiga de algo vivido, experimentado. Lembranças que jamais se apagam.
ResponderExcluirParabéns pelo post...me trouxe boas lembranças do passado.
Bjs
Duh
Essa história é linda!
ResponderExcluirBelíssimo!!!
ResponderExcluirComo tudo que escreves.
Matei com grande estilo a saudade de passar por aqui.
[]'s
É triste pensar que hoje em dia, quem manda carta pelos Correios manda por sedex, sedex 10, porque é uma coisa que não dá via e-mail... confesso que melhorou sustentavelmente falando, economia de papel, até de tempo, mas a magia das cartas... isso é uma coisa que a geração de hoje não saberá... hoje ng quer esperar, a espera é dura. É tudo um miojo que tem que levar no máximo 3minutos pra ficar pronto...
ResponderExcluirKisu!