Tem gente que fala demais. Tem gente que fala de menos.
Estou no primeiro grupo. Quem fala demais está sujeito a micos e pisadas de bola muito mais do que as pessoas do segundo grupo. Pisei na bola essa semana com uma amiga. Muita convivência com muitas pessoas, muita coisa na cabeça e falando demais sempre dá nisso. Ontem saí com duas pessoas. Uma delas estava esculachando um prestador de serviço. Adivinha quem estava na mesa do lado?
Essas coisas acontecem. A gente fica se sentindo mal e se arrepende de falar demais. E prometemos para nós mesmos que nunca mais vamos abrir a boca para falar algo desnecessário e que vamos fazer aquele retiro espiritual de 10 dias com voto de silêncio para aprender a domar a língua. Mas aí conhecemos pessoas novas e descobrimos que é só falando, às vezes demais, que as relações ficam interessantes.
Quem fala de menos não faz inimigos, mas também não faz muitos amigos e acaba engolindo um monte de sapos desnecessários.
Um célebre professor da USP perguntou se eu gostaria de publicar um trabalho que fiz para sua matéria no meu segundo ano de graduação. Neste trabalho, eu estava esculachando um crítico do jornal ******, dizendo que seu trabalho sobre o autor ****** era superficial e que não conseguia ir além do óbvio, e que era patente que o crítico não parou para realmente analisar os poemas um a um antes de publicar o seu achismo.
Minha resposta ao professor: - Publicar?! Como assim? Professor, eu sou uma aluna de graduação e estou metendo o pau no ********, do jornal *****.
Ele: - Então. Esse é o mais legal. Você é aluna da graduação e está provando que ******** é medíocre.
Eu: - Não sei não, professor.
Ele: - Existem duas formas de ser alguém no mundo acadêmico. Uma é você escolher um objeto de estudo e estudar como uma demente. Mestrado, doutorado, pós-doutorado, mil publicações, e falar tanto tanto tanto daquilo que seu nome será automaticamente associado ao daquele autor ou obra.... depois de uns 40 ou 50 anos.
Eu: ...
Ele: - A outra forma é mais rápida. Você escolhe alguém e esculacha. Mas não vale falar um pouquinho mal. Esculacha mesmo. Fale muito alto e muito mal, exagerando em tudo. Por exemplo, o último que esculachei foi o *****. Aí a família dele veio para cima, com advogado e tudo, foi aquele auê. Aí vou ter que publicar um pedido de desculpas no jornal onde esculachei o cara. De novo.
Eu: - Como assim "de novo"?
Ele: - Ah, eu vivo publicando pedidos de desculpa. Faz parte. Quando esculacho alguém, me empolgo e às vezes falo o que me dá na telha, falo sem fundamento. Mas aí tudo bem, publico as desculpas. Muitas vezes me desculpo pela metade. Chamei o ***** de idiota, medíocre e putanheiro. Vou me desculpar por ter chamado o cara de putanheiro, pois não tenho como provar que ele pagava as moças, mas continuo dizendo que ele é medíocre.
Eu: - Entendo.
Ele: - Quanto mais as pessoas me odeiam, mais importante eu fico.
Eu entendi o ponto de vista dele. E essa foi uma das primeiras vezes que percebi que a carreira acadêmica não era para mim. Eu não estava disposta nem a me debruçar sobre uma coisa para o resto da vida e nem a arrumar inimigos gratuitamente.
Mas me fez pensar que falar o que se pensa, falar impensadamente, falar simplesmente, tem seus riscos. Sempre.