segunda-feira, 28 de março de 2005

Cadê minha identidade?

Acho que cada vez mais estamos perdendo a identidade no mundo contemporâneo. Ninguém sabe muito bem a que viemos e para onde vamos. Mas isso ninguém nunca soube mesmo. O problema é que hoje não nos importamos mais.

Quando eu era adolescente, as minhas questões iam desde "o que vou ser quando crescer?" até "o sistema capitalista vale a pena?". Hoje as pessoas são criadas e educadas para se perguntarem, no máximo, "com que roupa eu vou?".
Mesmo não tendo chegado a conclusão nenhuma sobre nada, o questionamento em si já é alguma coisa.

É verdade que em nosso país ser uma pessoa questionadora não traz muitas vantagens... Enquanto as pessoas questionadoras estão se matando na USP para conseguir uma bolsa de mestrado de 800 reais para pagar o busão e o cigarro, as pessoas do mundo de fora estão ganhando salários de 4 dígitos pra cima e comprando seus apartamentos.

Por um lapso mental, eu decidi ser uma pessoa do mundo de fora. Estou no meu segundo mês.

Já descobri os prazeres do consumo sem necessidade. O Playstation 2 pode deixar de ser sonho. O carro do ano tornou-se possível e o ar condicionado um item obrigatório.
E daí? E daí que o preço a pagar é muito alto. Não só em termos de dinheiro. Isso também. Mas o emburrecimento necessário para tanto é tão grande e exige tanto de nós mesmos que eu me questiono se vale a pena. E não é para menos que ninguém questiona se vale a pena pois isso também tem um preço.

De que adianta ganhar bem se todo o seu salário vai para pagar os luxos (que viram necessidades)? Faz-se necessário um carro decente para o homem-escritório. Cabeleireiro, manicure, roupas novas, sapatos novos, gel no cabelo e maquiagem. Tevê a cabo, tela plana, wide screen para relaxar. Massagem express para tirar a pedra dos ombros. Natação e ioga para consertar a coluna torta do homem-escritório. Sem falar no MasterCard para fazer aquela preza no restaurante chique já que boteco é coisa de pobre.

No final das contas, acho que é por isso que as pessoas não questionam mais. A gente acredita que manicure é bom (mesmo que a mulher arranque seus dedos inteiros e você ainda corra o risco de contrair micose ou hepatite...), que ar condicionado é necessidade e que fazer compras é lazer. Quando as pessoas questionam, vêm as crises.

Uma vez um professor na USP disse "De que vale trabalhar o máximo se nunca teremos o máximo? É melhor trabalhar o mínimo para termos o mínimo".

O homem-escritório, após ler o post, volta à sua cadeira torta e à sua rotina torta. O homem-escritório não percebe o paradoxo. O homem-escritório não questiona, nem tem crises além de "qual terno combina com esta gravata?". Mas o homem-escritório é feliz.

5 comentários:

  1. Mas eu discutia justamente isso com meus alunos hoje... E, por isso, sou visto como mal-humorado... (hehehehe!)
    Ricardo Miyake

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  2. Permita-me uma correção: o homem-escritório não é feliz. Acontece que a esmagadora maioria deles ainda não percebeu isso. E os poucos que assumem essa verdade são taxados de "pessoas de mal com a vida".

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  3. Nascemos condicionados para virarmos homens-ecritório, impostamente pelo 'falso' valor que nos rodeia e nos empurra pro shopping em busca de 'prazer'. Prazer tão legal quanto rebolar de micro-saia, dançando axé, no domingão do Faustão. Nossa, até me emociono.
    Valor maluco de hoje, né? Eu ainda insisto em destinar parte do meu salário em livros, para adiar o 'atrofiamento cerebral', o que, já já, vai ser inevitável.
    'Ser pessoa de dentro' é mais difícil, amiga. Estudar, pesquisar, defender tese, ler, ler, ler, monografia, mestrado, doutorado, bolsa na faculdade. Tudo isso dá muito trabalho. É mais fácil ser vendedor de remédio (que te mantém vivo e doente - ahá) e ganhar o suficiente prá bancar (de jeito muito fácil) o carro do ano, o ar condicionado slim com timer e regulador de temperatura automático, a tv tela de plasma de 200 polegadas e o dvd por holograma. Mas como?
    Não quero emburrecer e agora quero a minha mãe. Vou ali chorar e procurar minha faquinha de serrinha.

    PS: ODIEI a tarde de terça feira porque você estava enfiada na USP e me abandonou o dia inteiro. Que o protesto fique registrado. Volta logo, caralho!

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  4. Nascemos condicionados para virarmos homens-ecritório, impostamente pelo 'falso' valor que nos rodeia e nos empurra pro shopping em busca de 'prazer'. Prazer tão legal quanto rebolar de micro-saia, dançando axé, no domingão do Faustão. Nossa, até me emociono.
    Valor maluco de hoje, né? Eu ainda insisto em destinar parte do meu salário em livros, para adiar o 'atrofiamento cerebral', o que, já já, vai ser inevitável.
    'Ser pessoa de dentro' é mais difícil, amiga. Estudar, pesquisar, defender tese, ler, ler, ler, monografia, mestrado, doutorado, bolsa na faculdade. Tudo isso dá muito trabalho. É mais fácil ser vendedor de remédio (que te mantém vivo e doente - ahá) e ganhar o suficiente prá bancar (de jeito muito fácil) o carro do ano, o ar condicionado slim com timer e regulador de temperatura automático, a tv tela de plasma de 200 polegadas e o dvd por holograma. Mas como?
    Não quero emburrecer e agora quero a minha mãe. Vou ali chorar e procurar minha faquinha de serrinha.

    PS: ODIEI a tarde de terça feira porque você estava enfiada na USP e me abandonou o dia inteiro. Que o protesto fique registrado. Volta logo, caralho!

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  5. A felicidade é condicionada a bens materiais... mas é tudo o que resta o home-escritório fazer: consumir, pois não possui mais tempo para outras coisas. E ainda acha que é feliz.

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