quarta-feira, 15 de junho de 2005

De férias, sem um pingo de culpa

A velha dicotomia do tempo x dinheiro tem sido, pela primeira vez na vida, um empecilho muito pequeno para eu me arrepender de estar em férias permanentes (vulgo desempregada). Agora sim estou fazendo o que sei de melhor: ficar em férias.

Algumas pessoas entram em pânico à mera visão do "não ter o que fazer". Eu não me conformo com isso. Passam 360 dias no ano reclamando que estão atolados e, nos 5.25 que lhe restam, reclamando que "não têm o que fazer". O que esse povo quer, afinal de contas? Não dá para entender...

Quando eu digo que não vim a este mundo a trabalho, mas sim a turismo, as pessoas riem e não me levam a sério. Ora. Existem pessoas que não nasceram para estudar, mas fazem faculdade por mera imposição de classe. Existem pessoas que não nasceram para a música, mas estudam piano por mera imposição de status. E existem pessoas que, como eu, não nasceram para acumular capital, mas o fazem por mera imposição social. O que há de errado em acumular capital por três meses e folgar um? Não estou sendo condizente com o mito burguês?

Os burgueses uma vez inventaram o mito de que "o trabalho enobrece", simplesmente porque eles morriam de inveja dos nobres e da gentry, que não precisavam trabalhar e viviam de renda. Tão ridículo quanto acreditar em I-Ching ou que leite com manga faz mal é acreditar que o trabalho enobrece. Nada mais é que um mito burguês que fomos levados a comprar desde uma suposta Revolução Francesa, que pregava liberté, égalité et fraternité, mas só para poucos pois alguns sempre foram mais iguais que outros.

Eu quero que o enobrecimento e a igualdade vão para a merda. Estou folgando sim. E, se eu pudesse, eu ficaria assim para o resto da minha vida. Sem um pingo de culpa.

No meu quase um mês de férias, eu ousei.

-Eu ousei não acordar antes do meio-dia.

-Eu ousei voltar a praticar exercícios físicos no meio da tarde.

-Eu ousei fazer macarrão ao alho e óleo (com supervisão, logicamente).

-Eu ousei escrever cartas.

-Eu ousei assistir filmes.

-Eu ousei ler livros.

-Eu ousei andar de ônibus pelo simples prazer de ver a cidade.

-Eu ousei observar as pessoas na Av. Paulista.

-Eu ousei pintar uma tela (experimentando, inclusive, textura com óleo e acrílica - tudo na mesma tela) para presentear uma pessoa especial (e não para acumular pó na minha sala).

-Eu ousei VIVER que nem gente e sem nem precisar ligar a televisão.

Aos que me criticam por ousar sair da ordem (mesmo sem sair, porque já estou procurando emprego de novo, para agosto): morram de inveja. Sua ordem é caos. E é ilusória. Quando você vai aproveitar a vida? Depois da aposentadoria? Hmm... Más notícias. Aposentadoria é uma instituição que deve falir antes de chegarmos lá.

Eu sou mais igual que os outros porque posso ousar? Provavelmente.

Não estou dizendo que o trabalho é ruim. De modo algum. Algumas pessoas se realizam em seus empregos. E ter o seu no final do mês é sempre bom. Mas não pode ser bom se não for bem gasto. Vale um surto para comprar um CD da Ella Fitzgerald por $7,90 na Rua Direita. Vale uma viagem para Guarapari. Vale um bilhete único para ver o movimento da cidade num dia nada a ver. Vale botar gasolina no carro para atravessar a cidade para dar um beijo na namorada. Vale até a economia maluca para comprar o seu apartamento.

Mas não vale a úlcera, a pressão alta ou a depressão.

Esses empregadores vêm com discursozinho de "estou fazendo o favor de te empregar" e nós, trouxas, acreditamos nisso. Bullshit. Ninguém é insubstituível, mas ninguém é desprezível a este ponto. Eu ouso pedir demissão e escolher outro senhor a quem esta escrava há de servir. E não tenho um pingo de culpa. Até meu próximo senhor, um abraço pois estou de férias. Viva o fundo-férias. Viva guardar (pelo menos) 20% dos meus ganhos todo mês para poder recusar o enorme favor que fazem de me empregar.

Agora vou ler meu livro novo de $9,35 que chegou hoje e vou dormir quando eu quiser. Porque estou de férias até acabar meu fundo ou até outro senhor me fazer o enorme favor de me empregar.

8 comentários:

  1. De fato, o que adiantaria para a pessoa ficar até 10 da noite no trabalho, privando as pessoas que a amam de seu convívio, dormir poucas horas pois é preciso estar cedo no escritório, e levar trabalho pra casa nos fins de semana, em troca de um salário que, ainda que fosse polpudo, não pode ser gasto com as atividades mantenedoras de sua saúde física/mental/afetiva e seu nível cultural por serem tidas como desnecessárias?

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  2. Morben, vc conquistou uma fan para sempre!
    Tá, eu já gostava de vc de graça!
    Mas agora tem minha admiração para sempre!
    No mais, dar um foda-se para p trabalho que nos oprime em nome do bem estar é mais que um ato de coragem, mas de libertação!
    Parabéns!
    Quando crescer, quero ser que nem vc!
    Um beijo querida! =***

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  3. Morwen, se isso virar um clube, é só me dizer onde eu assino!!!! O título de sócia já é meu mais novo objeto de desejo.

    Bjs maravilhosa.

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  4. Ahhh eu tb penso assim.
    Aliás... fazer nada de tarde é o que fazia de mais perfeito. Eu ODEIO trabalhar, ponto.
    Tipo é a forma mais besta de gastar SEU tempo, sendo útil (ok, essa parte é questionável), a algo que não é nem um pouco útil a você, salvo claro pela merreca que vc ganha no final do mês, né?

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  5. Aaah, eu amo horas de lazer! Internet, música, quadrinhos, dvd's, videogame, livros! E tbm odeio trabalhar(no caso, estudar). Muitas vezes acho que minhas horas de lazer são mais producentes do que minhas horas de estudos!

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  6. Brava!!! Você escreveu coisas que há muito eu gostaria de escrever. Nem preciso dizer que concordo totalmente, preciso?

    No momento também não estou trabalhando - até gostaria, mas por vários motivos não estou. O pior é ver pais, parentes e amigos cobrando, ainda que indiretamente, porque não se está trabalhando. Parece que há um certo olhar de desaprovação para quem, depois de certa idade, não trabalha...

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  7. Só mesmo num cyber café pra conseguir postar um comentário no seu blogue... E, olha, nem tem o que dizer: vc tirou as palavras da minha boca!
    Beijão!
    Ricardo Miyake
    P.S.: boa sorte na seleção pro mestrado!

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  8. Ain, eu tô com tanta saudade de vocês....

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